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terça-feira, novembro 30, 2010

O homem que não sabia sorrir





-E como era Aphonso?

-Bem... Ele nunca sorria. Independente da situação, circunstância ou piada, ele nunca sorria.

Jamais riu com piadas de loura ou japonês, papagaios ou português. Não demonstrava infelicidade. Entretanto, coisa alguma parecia fazê-lo rir. No inicio todos temiam o rapaz que nunca dera motivos, apenas não sorria.

Mostraram-lhe vídeos no You tube de mulheres e suas façanhas no volante e nenhuma risadinha ou sorriso, algumas quedas de moto ou bicicleta chamaram sua atenção, porém, ainda assim NADA, nenhuma ruguinha perto da boca, nada de nada.

Fora isso era um homem comum, trabalhava, estudava, tinha vida social... Era jovem. Com sonhos e ambições. Levava a vida bem a sério, sério demais para a idade.

Lembro-me que certa vez, o Marcão amigo do trabalho (um cara grandalhão, forte como um touro e gentil como uma velha) decidiu pregar uma peça na Solange (secretária recém-contratada na empresa, uma gostosa - segundo os homens, porque eu a achava bem comum - que ficava desfilando graça e sorrisos pelos corredores) pediu que a moça guardasse alguns comprovantes de pagamento em um armário E, lá foi ela toda poderosa desfilar pelos corredores balançando os longos cabelos, falsamente, dourados. Ao abrir a porta do mesmo, deu um grito e correu desesperada fugindo de um cover de Freddy Krueger... No mesmo instante o escritório todo caiu na gargalhada, alguns caíram no chão se forças por tanto rir... Outros choravam... Uma cena única. Convenhamos como o Marcão, cara tão gente boa, iria imaginar que a fogosa Solange teria um pequeno trauma de infância com o “Tio Freddy”? E daí que a loura não dormiu nos dias seguintes? Fora apenas uma brincadeira inocente e bem engraçada. Após acalmar-se a Solange até ria, sem graça e envergonhada, mas, SORRIA! E o Aphonso? Nada. Observou a cena com muita atenção, porém, sem nenhum sorrisinho.

Já fazia dois anos desde que Aphonso se mudara para Vilas Boas das Gerais, cidadezinha pacata no interior mineiro. Nunca ouvira falar no lugar até ser transferido temporariamente para a filial da empresa que seria inaugurada no município. O que ninguém esperava é que ele se habituaria ao estilo de vida da região, tranquilo e recluso, decidindo permanecer por aqui mesmo. Ele não entendia muito o povo do lugar. E nós também não o compreendíamos muito bem, sabe. Aphonso era bom de papo, espirituoso, e sério demais. Como alguém assim não esboça um simples sorriso?

Isso ninguém ousava perguntar-lhe.

Inclusive era um ótimo contador de piadas, mas, piadas boas de matar qualquer um de rir e fazer defunto levantar! Era bem humorado e nunca ria das próprias piadas.

Depois de sua chegada a cidade inteira ficou diferente, feliz. A praça central conhecida há décadas por “Praça da Igreja” tornou-se “Praça da Alegria”. Eram dias felizes, porém Aphonso recebeu uma boa proposta de trabalho e decidiu partir.

Recebera homenagens, presentes e até flores, na rodoviária foram pendurados cartazes com votos de boa sorte, fizeram um painel grande e colorido com fotos dele junto aos moradores. Todos sorriam felizes ainda que o motivo fosse a partida de uma pessoa tão especial. Todos sorriam... Todos, menos Aphonso. Em meio á risos e bons votos, surgiu de repente um garotinho (jovem demais para sair sozinho, velho demais para brincar no parquinho e grande o bastante para saber que bebês não nascem dentro de repolhos menos ainda são entregues por cegonhas) e inocentemente perguntou:

-Hei, porque você está triste?

Aphonso abaixou-se, ficando na altura do pequeno.

-Não estou triste, estou muito feliz!

-Então porque você não sorri? Você não sabe?

A mãe do garotinho levou as mãos até a boca, envergonhada. Pessoas em volta olharam incrédulas e admiraram a coragem do garotinho, que fizera uma simples pergunta, mas, ninguém ousara perguntar, todos sem exceção aguardavam uma resposta. Porque Aphonso nunca sorria?

-Não sorrio porque não posso.

-Como não pode? Nem é proibido, todo mundo pode sorrir. É bem fácil! o pequeno garoto era bem curioso mas, não intimidou Aphonso. Que lhe deu uma resposta não aquele esperava, mas, foi convincente, ao menos para o garotinho.

-Na verdade, quando isto aconteceu tinha o seu tamanho, era inverno e fazia muito frio. Queria muito brincar na rua com meus amigos e minha mãe disse que não poderia ir por estar frio e poderia ficar doente. Mas, desobedeci. Após essa noite nunca mais pude sorrir...

-Só por desobedecer a sua mãe? Os olhos do pequeno derramaram grosas lágrimas enquanto corria para os braços de sua genitora e jurava nunca mais desobedecê-la. Todos que presenciaram o breve diálogo comoveram-se e os olhos lacrimejados falavam mais do que qualquer palavra poderia expressar, havia uma compreensão cega, sem razão, sem sentido. E todos permaneceram em silencio, ninguém sabia oque dizer ou se deveriam dizer algo.

O fato é que pessoa alguma entendeu o motivo de Aphonso não sorrir, entretanto acharam sua história comovente...

E ele partiu dali homenageado com silencio...

E a partir deste dia as crianças não desobedeciam a seus pais...

E assim a cidade outrora feliz deixou de sorrir...

E foi assim que a “Praça da Alegria” ganhou uma estátua de ferro, intitulada “o homem que nunca sorriu”.





“Quem sorri é mais feliz, ama mais e vive mais. Sorria!”.

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