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quarta-feira, abril 20, 2011

Nostálgia


...
A verdade é que passei inúmeras vezes em frente aquele antiquário. Algumas vezes olhava para o interior da loja pensando que algo pudesse vir a me agradar, mas, isso nunca aconteceu. Tudo o que eu era capaz de enxergar eram objetos velhos, usados e não via nexo em adquirir algo que não combinava com minha atual situação. Eu, tão jovem, sem amarras ou compromissos, um trabalho com boa renda e finais de semana agitados, não merecia algo de- segunda mão, sem utilidade e esquecidos.

Mas, há dois dias, caminhando em frente à loja notei na vitrine uma pequena boneca de porcelana, trajada com um vestido confeccionado renda preta, certamente feita à mão. Não consegui tirar os olhos da pequena por alguns minutos. Era ela tão bela, quanto solitária. Tentei imaginar por quanto tempo ela estava ali sem que alguém a tivesse notado. Seu olhar era triste e perguntei-me quantas mãos a tiveram tocado? Quantos tiveram a chance de possuí-la e gastar alguns instantes meditando sua beleza fria. Hoje não resisti e entrei na loja. Para minha surpresa MAIS objetos velhos...

“Merda, porque diabos entrei aqui?”

Olhei alguns preços, um globo terrestre por duzentos e vinte e cinco reais com detalhes em ouro, uma mini estatua da liberdade feita em ferro por oitenta e sete reais e noventa centavos, “Legal, muito legal! Itens velhos e caros. Onde eu estava com a cabeça?”. Resolvi que era hora de ir e felizmente não fui alvo de atendentes com a clássica frase:

-Posso ajudar minha jovem? “Quanta sorte, a clássica frase”. Um senhor com idade já avançada, caminhava com dificuldade apoiado em uma bengala de madeira, que por sinal também parecia bem velha. Mas, o que eu esperava, uma cadeira de rodas motorizada?

-Não. –tentei realmente parecer simpática- Bem, só entrei para... Na verdade, estou atrasada, volto outra hora. “Como eu ia saber que tinha alguém vivo aqui”? Pensei e sorri falsamente.

-Entendo, ele respondeu tranquilamente, Mas quando a vi entrar pensei que estivesse interessada em um item em especial como aquele e, com olhos gentis me olhou e pontou em direção a vitrine. “A boneca... como ele soube?”

-Tudo bem. Na verdade, de verdade desta vez... . Ele me interrompeu:

-Não precisa explicar, ninguém a quer na verdade. Todos olham, mas, não se interessam realmente por ela. Mas, você passa em aqui em frente há semanas e há dois dias para em frente à vitrine. Seus olhos cintilam e você se coloca no lugar dela. Como se todos passassem por você e ninguém te enxergasse.

-Mas, como o senhor sabe que é a boneca? -Perguntei pensando que se tratasse de algum truque. -Porque sim, espero qualquer coisa desse lugar- Porque faz apenas dois dias que a coloquei ali para ser vista. Geralmente ela ficava ali, mostrou uma caixa de vidro sobre uma prateleira de mármore desenhado, as pessoas passavam a olhavam, mas, não perguntavam seu preço. Talvez pensassem que era muito cara... Por eu cuida-la tanto...

-E quanto é? Realmente me apaixonei por ela. Não sei se tenho o suficiente para comprá-la.

-Ela não tem preço, seu valor é incalculável. Aquele comentário desmotivou-me totalmente, já ia agradecer a atenção...

-Mas, também acho que se parece muito com você. Tão bela quanto solitária. Deveria cuidar-se melhor, pequena. Por isso caminhou, com passos um pouco mais pesados, até a vitrine e cuidadosamente abraçou a boneca e, estendeu em minha direção:

“-Tome... Vamos lá, pegue. Ela estava a sua espera."

-Eu não posso levá-la. Verdade seja dita, não sei se posso pagar por ela.

-Será um presente, minha jovem. “Por um momento vi nele um tipo de papai-noel, e aquela era minha noite particular de natal! Mas, espere aí. eu nunca acreditei em papai-noel e odeio natal”.
-O senhor disse que não tem preço. Agradeço, mas, não devo aceitar. E ele pareceu triste.

-Você diz “não” demais para alguém tão jovem. Ele tinha o sorriso mais gracioso que já vi na vida. Está certa, eu disse que ela não tem preço porque seu valor é incalculável. Foi cuidadosamente feita à mão por minha falecida esposa. Minha esposa era linda, tinha um jeito com mãos para fazer bolos deliciosos e lindos vestidos com rendas e bordados. Esta boneca é uma das poucas recordações que tenho comigo, mas, estou velho, cansado e não poderei mais cuidar dela. E você é tão jovem, poderá fazer-lhe companhia e conversar quando se sentir solitária.

- É um presente, seja uma boa garota e pegue. -Não é de praxe acontecer isso, mas, fiquei sem palavras, sem reação-. O que eu poderia dizer? Abracei a boneca como se fosse a ultima coisa que faria na vida. Brinquei com seus cabelos delicados, e senti sua fria porcelana em meu rosto não contive uma lágrima, nem outra... E outra...

Ele afastou-se, sempre lentamente, com sua bengala de madeira fazendo tuc... Tuc... Tuc... No assoalho. Enfim, chegou a uma poltrona, com assento em veludo vinho que parecia, extremamente confortável. Reparei que daquela poltrona ele tinha acesso a vitrine e observava com atenção particular cada pessoa que passava por ali.

Não havia mais o que fazer no antiquário.

Abracei minha nova boneca, olhei para trás e agradeci novamente, sorrindo.

No caminho até a porta notei inúmeros objetos bonitos, bem conservados, porta-joias, bonecas de pano misteriosamente limpas e cuidadas, tabuleiros de xadrez em madeira... Castiçais de ouro e um belo vitral onde lia-se “Que sua felicidade se espalhe como uma brisa matutina” Não entendi o significado, odeio vento, brisas ou acordar cedo. Então ignorei.

Quando toquei a maçaneta da porta ele me disse de longe: “Nem tudo na vida tem um preço. Mas, tudo na vida tem o seu valor. Não confunda o preço de algo com o valor que representa a você”. Dei uma última olhada para aquele senhor amável de cabelos brancos e tamanha sabedoria.

E continuei meu caminho menos solitário, menos triste, menos... bem menos eu.



"O Homem se transforma naquilo que contempla"
Nostalgia

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